O segundo dia do Festival Caju de Leitores começou com cânticos, danças e oração. O Pajé Akitxawã exaltou a ancestralidade e a natureza, ‘com maracá, cantando a floresta, agradecendo ao Inaô e saudando a Mãe-Terra’, com a participação de todos o público presente. Em seguida, a cordelista Auritha Tabajara brindou as crianças com histórias do seu povo e com grande interação do público infantil.
A multiartista e ativista amazonense Márcia Kambeba também esteve na Oca Tururim. Sua fala e suas histórias encheram o imaginário das crianças, com os encantados, Matinta Pereira, Curupira e Mãe d’Água.
“O Festival está sendo maravilhoso porque podemos ver neste evento a interação, o parente que conversa com parente sobre literatura. Não tem nada igual. Este entrelace de povos é lindo de se ver. Me sinto honrada por poder partilhar a sabedoria dos meus avós e bisavós, com todas as infâncias – parafraseando Munduruku - do Festival. Na minha cultura, na nossa cosmopercepção, vivi estes seres, apesar de não ter visto, ouvia os assobios da Matinta, enquanto era testemunha da fala de minha vó. Entendia a hora de adormecer e a hora que a aldeia precisava ficar em silêncio. Com a globalização estamos perdendo este respeito pela ancestralidade e seus costumes e tradições. Este festival traz uma centelha de que isso pode mudar”, revelou.
Grafismo
Janaron Pataxó foi o escolhido para apresentar uma vivência em grafismo, explicando que é dessa forma que ele manifesta a história e as tradições do povo Pataxó. Na oficina que ministrou, Janaron explicou um pouco sobre a pintura ancestral e seus significados.
“O grafismo significa proteção. E cada desenho tem uma simbologia: figuras esféricas refletindo o Sol e a Lua, são fartura; figuras como flechas, são guerreiros; as que lembram a puã – ou garras do caranguejo, significa força. Além desta existem muitas outras. Também há as que designam sexo e estado civil. No caso de homens e mulheres solteiros, os desenhos são sempre muito coloridos, tem a função de chamar a atenção para um possível parceiro. Já homens e mulheres casados devem ter uma pintura um pouco mais discreta. O símbolo da mulher Pataxó é parecido com um balão, enquanto o dos homens é um zigue-zague”, contou.
Janaron salientou que as cores também são importantes na cultura, sendo o preto - mistura do carvão e uma redução de jenipapo, a cor da proteção e a mais utilizada, sendo a base do grafismo.
“O vermelho – retirado do Urucum - é utilizado como símbolo da força. Já o amarelo, feito à base do barro de falésia, também é bastante usado e tem grande importância nos batismos. É uma forma de conexão com a terra. Já o branco, barro subproduto das falésias também, é mais utilizado por mulheres e nos casamentos e traz a simbologia da espiritualidade, paz, leveza e tranquilidade”, comentou, o artista que ficou muito feliz pelo convite e por poder representar esta arte, que tem levado nossa cultura e ancestralidade.
Sua participação foi finalizada com o grafismo nas crianças presentes, enquanto os adultos partilhavam o momento pintando uns aos outros, transformando o sentimento em arte.
Partilha
Pedro Alvarenga, de 6 anos, veio com a escola Coqueiral disse que a parte que mais gostou foi da pintura. “Foi muito legal. O Janaron fez em mim a pintura. Também gostei muito da História do Rio [contada por Auritha Tabajara]”, revelou.
A educadora Fernanda Bastos Alvarenga, de 40 anos, que mora em Caraíva. Com ela vieram cerca de 30 pessoas da Escola Coqueiral, entre alunos e familiares. “O Caju de Leitores é um privilégio por termos um evento como este de incentivo à leitura e de contação de história. Muito além disso, ela aumenta o repertório da comunidade. O evento é tão marcante, que as crianças inclusive se lembraram das histórias contadas no ano passado. Acredito que a educação está aqui e lamento por não haver mais crianças partilhando estes momentos, conectando com os povos originários e dos ancestrais, aproveitando esta liberdade de se expressar, de interagir e conhecer histórias ancestrais”, informou a educadora, expressando a alegria de ver o público se apropriando da arte indígena, do grafismo, com licença dos povos originários, dessa forma aproximando as crianças, de forma humanizada, com essa essência.
Intervenções
Maria Rios, do Projeto Lixo é Luxo, realizou uma intervenção falando da natureza, reciclagem em uma apresentação de dança.
Na ocasião, o dia internacional da mulher indígena, celebrado hoje, Auritha Tabajara e Márcia Kambeba fizeram uma homenagem, com um minuto de silêncio, pelas mulheres vítimas dos abusos e morte.
Na parte da tarde, Arissana Pataxó e Daniel Munduruku trouxeram como pauta da roda de conversa, a leitura. Arissana explicou sobre a concepção da arte para esta edição do Caju. A identidade visual do Festival Caju foi uma proposta feita pela Joanna Savaglia, produtora do evento, que pediu uma arte que pudesse ser fragmentada.
“Para a obra, pensei em algo que remetesse à leitura como algo prazeroso. E me veio à memória, uma atividade que fiz há alguns anos com alunos na Reserva da Jaqueira, onde pedi que cada aluno escolhesse um livro e uma árvore para se apoiar e fazer a leitura. Como o nome do Festival é Caju, pensei em um cajueiro e ao invés de crianças ao pé da árvore, as fiz nos galhos.
Já para a técnica, Arissana utilizou apenas barro amarelo e carvão. “Escolhi fazer o caju amarelo, as folhas pretas e o tronco amarelo. As crianças receberam a cor preta para contrastar e quebrar o conceito de pintar as figuras humanas de cores claras. Também pensei na questão dos materiais, que são parte do nosso cotidiano e que nem sempre são encontrados em outros locais no mundo”, ressaltou.
Para finalizar o segundo dia, os Marujos Pataxós trouxeram o samba indígena para a Casa Sagrada - a Oca Tururim.
PROGRAMAÇÃO FESTIVAL CAJU DE LEITORES
Dia 6 - quarta-feira – Oca Tururim
Das 8h às 11h - Desfile Cívico
Das 12h às 14h - Intervalo
15h - Atividade Livre: autógrafos, fotos e entrevistas
16h - Homenagem ao Valdemy Sisnande - Roda de Conversa com Edite, Edilza, Edinho, Lomanto e Biriba
17h - Lute como a Língua Patxohã, com Awoy Pataxó, Raoni Pataxó e Arissana Pataxó
18h - Contação de Histórias com Japira Pataxó, Maria Coruja e Dona Joana (em torno da fogueira)
Dia 7 – quinta-feira – Oca Tururim
9h - Abertura
9h15 - Japira Pataxó e Auritha Tabajara
10h - Contação de Histórias com Adriana Pesca e Sairi Pataxó
11h - Ilustração com Arissana Pataxó
Das 12h às 14h - Intervalo
15h - Atividade Livre: autógrafos, fotos e entrevistas
16h - Letramento indígena em Bibliotecas Comunitárias - Roda de Conversa com Rede Oxe de Bibliotecas Comunitárias do Estado da Bahia
17h - A oralidade e a escrita para o protagonismo jovem em ações socioambientais - Roda de Conversa com Coletivo Jovem Muká Mukaú e Coletivo Caraíva Sem Assédio
18h - Encerramento com Roda de Leitura (trechos de livros)