Ouricuri, coqueiro-cabeçudo, licuri. São vários os nomes dados à palmeira que garante a vida de muita gente em regiões secas do Brasil graças ao seu fruto: o coco licuri. Quase toda a produção nacional vem da Bahia. O Globo Rural foi até lá pra conhecer de perto o trabalho dos catadores de coco licuri.
Dizem que no final do arco-íris há sempre um tesouro. Pois aí está a riqueza do semi-árido da Bahia é a palmeira do licuri. O município de Caldeirão Grande fica a 330 quilômetros de Salvador, na Bahia. De tão importante, a palmeira entra até na música do grupo de capoeira da região. Era dia de feira e a pequena praça da cidade estava agitada. Há uma vitrine de alguns produtos feitos à base de licuri: óleo, cocada, vassoura, chapéus feitos da palha e o coco licuri.
Na feira, havia o rosário do licuri, mas, como tem gente que chama o licuri de pérola do semi-árido, nossa repórter colocou um colar de pérolas. Ele é usado pendurado mesmo no pescoço. Se der vontade, é só morder uma amêndoa e comer. E é bem gostosa.
O licuri visto na feira vem todo do extrativismo. Dona Marlene Jesus da Silva mora num conjunto habitacional e vive do licuri. Ela não tem terras próprias e trabalha dentro de uma fazenda particular. Ela tem autorização do vaqueiro para catar licuri. Mas, em muitas outras áreas, a entrada é barrada. “Tem muita gente que não deixa. Quando a gente entra na propriedade, o pessoal enraba. Se a gente vem com saco de licuri, eles tomam. Eu já saí correndo. Deixei o saco e saí correndo porque eles botam cachorro também”, contou dona Marlene.
Catadora de licuri tem que fugir de cachorro, do vaqueiro, das abelhas, das cobras. “A dificuldade maior que eu já enfrentei foi quando eu estava catando e uma cobra me mordeu. Cheguei viva no hospital. Hoje estou contando a vitória. Continuo procurando licuri”, completou dona Marlene.
As palmeiras dividem espaço com o gado e, na época seca, fornecem folhas e frutos para alimentar os animais. Eles comem o licuri, mastigam e tiram toda a polpa. Algumas vezes, cospem o coquinho. Em outras engolem e o licuri sai inteiro nas fezes. É o chamado "licuri de gado", que os catadores recolhem do chão do curral. A mãe de dona Marlene, a dona Davina da Silva, de quase 70 anos, faz a catação ajoelhada sobre a terra e o estrume. “Eu cato licuri desde os sete anos. Doem as pernas, os braços e as costas. Mas, assim mesmo, faço tudinho”, afirmou dona Davina.
O licuri já enche os cestos quando as mulheres decidem voltar à sede da fazenda. Lá, vão dividir os coquinhos com porcos, galinhas e o vaqueiro. “Tem que deixar a metade. É dividido. O patrão pega e dá para mim. Aí eu divido com eles”, contou o vaqueiro Guiomar Nunes Barbosa. Cerca de mil famílias de Caldeirão Grande vivem do licuri. À tarde, a cena que se repete nas casas, no campo ou na cidade, é a de homens, mulheres e crianças tirando as amêndoas dos coquinhos já quebrados. “Eu, quando estou precisando, vou catar ele. Eu quebro, tiro, vendo e estou com o dinheiro na mão”, falou a catadeira Teresinha dos Santos.
Bem distante da cidade, no assentamento Projeto Pajeú, encontramos a dona Enedina Alves da Silva. Há anos ela segue a mesma rotina: de casa para o palmeiral. Enquanto busca mais um bom cacho, ela conta sua história. “Com três anos, já mexia com licuri. Depois dos seis anos, comecei a quebrar licuri e colocar pra vender, pra sobreviver e comprar roupa, calçado, o que precisasse”.
Licuri e roça. É dessa receita que vivem as famílias da região. O marido de dona Enedina, seu Aristides, aproveita os dias de chuva para plantar mandioca. Na caminhada de volta para casa, dona Enedina fala do seu orgulho por ter seis filhos criados e nenhum analfabeto. Na sala, Sara, a mais nova, com 16 anos, faz a lição de casa. A letra caprichada não desmente a mãe. “Não gosto de catar licuri. Ainda não sei o que quero no futuro, mas quero terminar meus estudos e ter uma profissão”, diz a menina.
Para Sara poder sonhar, os pais continuam trabalhando no licuri. Sobre a esteira de palha, dona Enedina e seu Aristides fazem uma linha de produção: ele quebra e ela tira a amêndoa. São quebrados nove quilos por dia, três sacos cheinhos de licuri. No bate-bate do pilão, dona Enedina prepara uma receita há muito esquecida. A amêndoa triturada é misturada à água e coada. As galinhas se divertem com as sobras. O leite de licuri vai para a panela com um pouco de leite de vaca e açúcar.
Dona Enedina não sai do lado do fogão para controlar o ponto. O doce ferve, solta do fundo da panela e, depois, está pronto. Todos aprovam.
Texto e Imagens: Site do Globorural