Por: Rosângela Nascimento
Quando eu era criança pequena lá em Gurupá-mirim, todo São João era dia de muita festa, dia de muita alegria, assim como em várias cidades pequenas do Nordeste. E mandava a tradição, que em Noite de São João tivesse milho assado, pamonha, canjica, biscoito de goma, bolo de puba e muito licor, principalmente de jenipapo, e em minha casa, graças a São João, tinha tudo isso de montão. Minha mãe tinha um forno de barro no quintal, onde ela assava os bolos e biscoitos, o milho era plantado em nosso próprio quintal, ninguém tinha informação sobre agricultura familiar, mas era sagrado plantar milho no dia de São José para colher no São João, as festanças e comilanças já começavam no dia de Santo Antônio, as moças que queriam arrumar um casório faziam, novena, promessa e ainda castigavam o Santo, colocando ele de cabeça pra baixo, ô maldade, tudo isso para ter um marido, se naquele tempo já era difícil imagine hoje, e na noite de São João tinha fogueira para assar milho e tinha os “cumpade” e “comade” de fogueira que consistia em pular a fogueira de mãos dadas para virar “cumpade”, olha a arte, mas era tradição e as pessoas tinham muito respeito por isso, na noite de São Pedro era a vez das viúvas rezarem.
Teve um certo São João, como já era de costume minha mãe fez tudo que tinha direito e nós estávamos com visita em casa, meu primo Eliude, que não dançava forró, mas gostava das guloseimas, e dai meu pai resolveu colocar um forró na radiola e convidar os vizinhos para dançar um forró pé de serra até levantar poeira e eu criança curiosa que era, vi o povo toda hora bebendo licor e dizendo que aquela bebida era muito boa e eu então resolvi experimentar, sem minha mãe saber é claro, quando bebi aquele negócio docinho, achei bom e quis repetir a dose, minha mãe e meu pai que estavam de anfitriões da festa, não viram as arteirices de menina, dai comecei a ficar um pouco alegre, e achei bom, e a nossa casa era de tábua, como quase todas da cidade, eu então tive uma ideia brilhante, entrei no quarto, fechei a porta, subir no batente da parede e fiquei lá de cima vendo o povo dançar, quem morou nessas casas deve entender do que eu estou falando, as paredes não iam até em cima no telhado(meia parede) e sempre tinha uma tábua pequena atravessada na parede que dava para subir, e eu subi e fiquei lá, o problema foi na hora de descer, porque eu precisava pisar na cabeceira da cama para poder descer, pois o licor já estava fazendo efeito, eu olhava e enxergava duas camas, e dai a situação ficou difícil, e comecei a gritar meu pai, para me tirar de lá e agora que eu tinha fechado à porta, eita! que a situação piorou e eu já fiquei pensando na surra que eu ia tomar quando descesse dali, a essa altura do campeonato ou melhor da festa, todo mundo já pensava num jeito de abrir a porta, mas dai meu pai com jeito conseguiu abrir a tramela com uma faca. O meu primo Eliude ria muito de minha cara e eu morrendo de medo de apanhar, mas como era noite de São João, a surra ficou para depois, junto com a ressaca e a festa continuou até madrugada a dentro.
Gosto de lembrar dessas histórias, de trazer de novo essas memórias que me fazem ri e ver quanta coisa boa tem em nossas tradições (menos o porre, risos) e fico a observar como as nossa tradições estão ficando de lado, admiro as cidades e comunidades que prezam a sua tradição, elas fazem parte da história e memória de um povo e quando essas tradições vão morrendo, morre também a história desse povo, vejo hoje tantos modismos que o povo inventa nas festas juninas, tantos nomes, menos São João, até festa country, por acaso a gente mora nos Estados Unidos? Porque essa mania de valorizar tanto a cultura importada e desvalorizar a nossa? É tal da ferida narcísica aberta na alma da nação, um povo que se olha e não se enxerga não se reconhece como tal, queria ver se Luiz Gonzaga fosse norte americano, com certeza seria mais famoso que Michael Jackson e todo mundo estaria dançando baião. Penso que Luiz Gonzaga deveria estar para todo o Brasil, como Michael Jackson para os Estados Unidos, que me perdoe Luiz Gonzaga a comparação, gosto do Michael Jackson, considero ele um artista genial, mas prefiro o velho Lula, rei do Baião, estou abaixo da linha do Equador e gosto dos nossos ritmos, nosso som, nossa cultura. E Viva São João!