Por: Dayana Andrade e Felipe Pasini
Entropia é um conceito usado em mais de uma área do conhecimento, mas é na Termodinâmica que está uma das definições mais comumente reproduzidas, segundo a qual esta seria a função relacionada à desordem de um dado sistema, associada com a degradação de energia. Desse modo, quanto maior for a desordem e a dissipação de energia, maior será a entropia do sistema. Essa concepção é intuitivamente apreendida porque encontra bases na nossa experiência cotidiana, como por exemplo quando vemos o fogo que, ao queimar um pedaço de madeira, emite calor e a transforma em cinzas. Essa definição serve aos propósitos da Termodinâmica de Equilíbrio de Processos Irreversíveis, mas também encontrou interpretações em áreas distintas do conhecimento tais como a Mecânica Estatística, a Matemática, a Teoria da Informação, a Fisiologia, a Ecologia e a Economia(a) - cada qual com sua tradução deste conceito físico para as condições específicas de seus respectivos domínios.
No âmbito do estudo de sistemas vivos, por exemplo, é imprescindível considerar sua intrínseca condição de sistema aberto e a consequente capacidade de reduzir sua entropia. A compreensão dessa possibilidade, justificada pela relação com o meio envolvente, rendeu a Ilya Prigogine oPrêmio Nobel de Química de 1977 com sua Teoria das Estruturas Dissipativas, segundo a qual flutuações estocásticas promoveriam a ordem e o aumento da complexidade em um dado sistema, distanciando-o do equilíbrio termodinâmico.
Além de serem abertos, os sistemas vivos superam a tendência ao aumento da entropia - e a consequente morte térmica - por meio do crescimento, da reprodução e da evolução no sentido de estruturas de organização cada vez mais complexas. Muitos foram e ainda hoje são os esforços para buscar uma conceituação que dê conta de abarcar uma definição universal para esse fenômeno que parece estar intimamente ligado à vida. Nesse percurso, exercícios conceituais sobre o tema apontaram para a necessidade de uma nova terminologia que descrevesse uma tendência diversa à entropia. Surgem, então, a "entropia negativa" de Erwin Schrödinger, a "negentropia" de Léon Brillouin e a "sintropia" de Luigi Fantappiè (retomada e ampliada por Ulisse Di Corpo e Antonella Vaninni), dentre outros. A negentropia, pela própria composição da palavra, é a negação da entropia - semelhante à formação da palavra negócio, que seria a negação do ócio. A sintropia, por outro lado, não seria oposta à entropia, mas sim complementar a ela - essa diferença é frisada por Di Corpo em uma explicação na qual a dimensão temporal assume caráter fundamental(b).
Apesar de o conceito de sintropia para Ernst Götsch encontrar pontos de convergência com alguns dos autores citados, são justamente os pontos de divergência que demonstram que sua concepção se deve menos ao breve histórico supra mencionado e mais à sua intenção de nomear uma lógica que observou na natureza e que traduziu para suas experiências em agricultura como o próprio fundamento metodológico de sua prática: a tendência ao aumento da organização e da complexidade, que se manifesta na forma de aumento de recursos e de energia disponível(c). O exemplo mais manifesto desse fenômeno seria a fotossíntese que organiza energia radiada pelo Sol e a armazena na forma de hidrocarbonos, num exemplo claro, portanto, de incremento do nível de complexidade. Nesse contexto, para Götsch a sucessão natural é entendida como a força motriz dos sistemas naturais que organizam e otimizam resíduos entrópicos gerando mais complexidade. Na agricultura, a técnica do pousio (interrupção temporária da atividade agrícola, pecuária ou silvicultura) parece contar com essa tendência da natureza de se organizar não só para preservar, como também para recuperar áreas exauridas. Para Götsch essa lógica se manifesta tanto no microcosmo quanto no macrocosmo e, em artigo publicado na década de 90(c), já apresentava seu entendimento de que mesmo os seres que aparentemente poderiam ser considerados como entrópicos em si - como por exemplo uma abelha que consome uma grande quantidade de néctar e pólen ao longo de sua vida - no balanço geral do sistema são altamente sintrópicos também, considerando-se os efeitos de sua ação dentro de um macro sistema - no caso da abelha, o enorme benefício proveniente da polinização. A própria ação dos predadores é entendida, segundo essa perspectiva, como um mecanismo por meio do qual essa estratégia complexificadora também se manifesta, uma vez que, para Ernst Götsch, cabe aos predadores a tarefa de manejar sua presa no sentido de potencializar os recursos do sistema como um todo.
Dessa forma, entropia e sintropia são entendidas como constantes recíprocas, cuja relação dialética corresponde ao seno/cosseno, ou à expiração/inspiração, ou ainda ao ato de morrer/de nascer. Essa concepção de Götsch se aproxima dos estudos de Viktor Schauberger para quem "um dado fenômeno sempre tem sua contrapartida ou equivalência, e ambos os componentes devem sempre ser levados em consideração"(d). Sob essa ótica, podemos então afirmar que nossa experiência cotidiana diz respeito tanto a processos entrópicos (como dito anteriormente), quanto a processos sintrópicos.
Fica assim, cada vez mais clara a pertinência do título do artigo publicado por Ernt Götsch em 1995: "Homem e Natureza - cultura na agricultura". Para o pesquisador, a agricultura deveria ser aquilo que em seu princípio deu origem ao termo cultura como o cultivo ou o bem cuidar das mentes. A partir da compreensão da sintropia como o pulso da vida, o papel da agricultura seria então o de cultivar, ou bem cuidar, daquilo de que necessitamos na mesma lógica da natureza, ou seja, fazendo com que "haja aumento de recursos em todas as fronteiras"(e) além de propor uma maneira pela qual podemos sincronizar a atividade humana com as leis que regem os processos naturais. "Para conseguirmos isto é preciso que haja em nós mesmos uma mudança fundamental, uma mudança na nossa compreensão da vida." (Homem e Natureza - cultura na agricultura, Ernst Götsch, 1995).
(a) A Mecânica Estatística com Boltzmann em 1877, a Matemática com Luigi Fantappiè em 1942, a Teoria da Informação com Robert Lindsay em 1942, a Fisiologia com Albert Szent-Györgyi em 1974, a ecologia com Eugene e Howard Odum em 1988, a Economia com Henrique Leff em 2001, dentre outros.
(b) Syntropy: The Spirit of Love, Ulisse Di Corpo e Antonella Vaninni, 2015
(c) A concepção de sintropia por Ernst Götsch não incorpora a casualidade nem a dimensão temporal e, portanto, se afasta das teorias precedentes em alguns aspectos que serão abordados oportunamente.
(c) Homem e Natureza - cultura na agricultura, Ernst Götsch, 1995
(d) Living Energies, Callum Coats - An exposition of concepts related to the Theories of Viktor Schauberger, 1996.
(e) Vídeo Agenda Gotsch disponível em:
https://vimeo.com/agendagotsch/exoticas